quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Da Ucrânia à Moçambique, fugindo do Comunismo

Morreu o caçador e escritor Leo Kroger (1912 - 2004) / Cultura

Leo Kroger, escritor, caçador e viajante, radicado há mais de meio século em Moçambique, morreu à 16 de Junho de 2004 na África do Sul, para onde foi transportado de emergência. O seu corpo foi cremado no país vizinho, mas a missa de corpo presente foi realizada na Igreja Ortodoxa Grega em Maputo pelo sacerdote ucraniano Padre Georgiy, no dia 10 de Julho corrente.Leo Kroger, nasceu à 16 de Agosto de 1912, em Khabarovsk, no Extremo Oriente russo. O seu avo materno, Lavrentiy Shvorin, professor em Kyiv (Ucrânia) foi preso pela a policia czarista e deportado para o Sakhalin em 1890, por seu envolvimento no movimento populista “Narodnik”.A mais velha dos seus onze filhos, Ksenia Shvorina casou em 1906 com o alemão Arthur Kroger, gerente da companhia comercial “Tchurin&Co”. Desta união nasceu a filha Ekaterina em 1907 e o filho Leo em 1912. No ano seguinte, Arthur Kroger morre de complicação renal e a família passa os momentos difíceis. Mas a Ksenia Shvorina abre em Khabarovsk o salão de costura, que junto com o auxilio financeiro do sogro, permite que os seus filhos não passam as necessidades maiores.Embora a revolução bolchevique aconteceu em 1917, o poder comunista emplanta-se no Extremo Oriente apenas em 1924, obrigando a família Kroger mudar-se para a China.A sua mãe e a ima trabalham no sucursal da empresa “Tchurin” em Harbina, não esquecendo dos mais necessitados. Naquele tempo em Harbina viviam cerca de 30 mil refugiados que escaparam do “terror vermelho”. A Ksenia Shvorina divide o seu tempo entre a família, o emprego e o voluntariado na organização missionaria americana “Cup of tea” que distribuía os alimentos e todo o tipo de assistência aos refugiados.Leo Kroger passa a sua infância e adolescência na China, onde primeiro frequenta o liceu Dostoyevskiy em Harbina (Manchúria), depois a Missão adventista americana em Chefoo no Norte de China.Desde muito novo, Leo Kroger entrou no oficio de caça na China, Tibete e Mongólia, a sua juventude e amadurecimento foram marcadas pelas duas guerras mundiais, caçar ou não caçar muitas vezes era uma questão de sobrevivência.Em 1933 jovem Kroger viaja para o Hamburgo à fim de conhecer os seus familiares do lado paterno. Na Alemanha, Kroger começa aprender o alemão (Leo falava o russo, o chinês e o francês) e escreve-se na “Associação Alemã dos Desportos Aéreos”, futura força aérea - “Luftwaffe”. A Associação consome todo o dinheiro do Kroger, mas o baile de graduação brinda o Leo com o encontro com a jovem Hannah Landahl, encantadora filha de um guarda-florestal. Findo um noivado muito curto, sem o dinheiro e com o pressentimento de uma grande guerra a aproximar-se à Europa, Kroger resolve regressar à China. A sua bagagem consiste em uma cana de pesca, uma canoa furada e a caçadeira checa de três canos “Novotny”.De regresso, Leo encontra a sua mãe como a proprietária de uma pequena escola de costura e bordagem na cidade de Tientsin. A vida de Kroger ocorre entre a China Ocidental, Tibete e Mongólia, onde representa a empresa exportadora alemã “Melchers&Co” e também caça. Naquela época a região de Manchúria era o verdadeiro paraíso para os caçadores, a taiga era abundante em cabras selvagens, gansos, patos, ursos e até tigres. Ao contrario, a situação geo - política na região e no Mundo piorava todos os dias.Uma curta trégua, em resultado do Pacto da Amizade entre a Alemanha nazi e a URSS, possibilitou a Hannah Landahl usar a ferrovia Trans – Siberiana para chegar de Hamburgo à Harbina em 1939. Leo e Hannah casaram a 8 de Junho de 1940, um ano mais tarde tiveram a filha Jutta, seguido em 1943 pelo filho Peter.A ocupação japonesa não mudou a vida das pessoas no seu essencial, o seu mundo abalou, quando em 1945 a Harbina foi ocupada pelo Exército soviético. A maior parte da comunidade alemã, incluindo os diplomatas e quase a totalidade daqueles que fugiram dos bolcheviques nos anos vinte, foram presos e enviados para os campos de concentração na Sibéria, o Gulag soviético.Um dia chegou a vez de Kroger. Chegando à casa depois de uma jornada de caça, ele recebeu uma ordem de apresentar-se no quartel-general do NKVD (o serviço de segurança do Estado na URSS), assinada pelo tenente Orlov. A sua chegada, Kroger foi avisado, que Orlov acabou de sair do edifício. Na conversa com os guardas, Leo fingiu que a sua visita era meramente social, prometendo voltar amanha. Kroger acreditou que só a pronúncia perfeita da língua russa o salvou, pois, se o NKVD desconfiasse que ele é estrangeiro, nunca o deixariam de sair.Na manha seguinte, Kroger voltou à quartel do NKVD, apresentou-se e de imediato foi trancado numa cela na cave do edifício. Horas depois, Leo, baptizado pelos guardas armados de “porco nazi” foi mandado limpar as casas de banho do edifício. Depois Kroger passou por vários interrogatórios, onde o “bom” oficial era rendido constantemente por um oficial “mau” e ao contrário. Findo o período relativamente curto, Kroger foi libertado e podia voltar à sua casa, onde a mulher já não tinha nenhuma esperança de o encontrar com a vida. Mais tarde, Leo soube, que na noite da sua chegada, cerca de 3 mil prisioneiros foram conduzidos a estação de caminhos de ferro da cidade, e enviados para a Sibéria. Maioria deles não sobreviveu o Gulag.Mesmo assim, Leo “nasceu num fole”, algo que não aconteceu com a sua irmã mais velha. Ecaterina Kroger casou em 1933 com o Henry Magon, o porta-voz dos Caminhos de Ferro da China Oriental. Em 1934, quando este caminho de ferro foi vendido ao Japão, a família Magon regressou à Ucrânia Soviética. Henry Magon, foi destacado para trabalhar na administração ferro – portuária na cidade ucraniana de Odessa. Em 1935 casal teve uma filha, a sobrinha de Leo – Violeta.O ano de 1937 é o ano de Grande Terror na URSS e particularmente na Ucrânia. Milhões de camponeses, professores, médicos, simples trabalhadores são presos, torturados, deportados para os campos de concentração ou simplesmente fuzilados sob acusações falsas.Apenas em 1991, Leo Kroger foi informado pela Cruz Vermelha que a sua irmã foi presa no dia 1 de Agosto de 1937, acusada de espionagem e traição e fuzilada já no dia 12(!) do mesmo mês. O seu marido, Henry Magon, preso junto com a Ekaterina, foi fuzilado no dia 12 de Outubro de 1937. Em 1959 ambos foram reabilitados a titulo póstumo pelo Tribunal militar de Odessa por a ausência de indícios de qualquer crime. A sorte da sua filha Violeta, que tinha, na altura, apenas dois anos de idade é desconhecida. Normalmente, o Estado “mais humano do mundo” enviava os filhos de “inimigos do povo” para os orfanatos, onde lhes mudavam de nomes e apelidos e educavam como servidores fiéis do regime.Em 1949, o Oitavo Exercito de Mão Tse Dung ocupou o Norte da China. A família Kroger e a sua mãe, Ksenia reuniram-se na cidade de Tientsin. Leo começou trabalhar numa empresa de exportação chinesa, mas pouco tempo depois esta foi nacionalizada pelo Estado. As relações entre a China e os Estados Unidos deterioraram-se, grande parte do negocio estagnou-se e a família recorreu a Igreja Luterana para o seu repatriamento à Alemanha, concretizado em 1952.Alemanha pos - guerra não tinha muitos oportunidades de emprego, por isso Leo Kroger aceitou o lugar na empresa “Messers, Faure&Co” baseada em Londres. Mas as grandes cidades da Europa deprimiam o Kroger, habituado aos espaços livres e a natureza selvagem. Por isso, recebendo o convite de Francis Spencer, um empresário britânico radicado em Lourenço Marques, Moçambique, Kroger não hesitou em mudar-se para a África. O maior agrado do Leo Kroger residia no facto, que o Moçambique está muito longe quer do Moscovo, quer do Beijing! A família Kroger desembarcou no porto de Lourenço Marques em 13 de Novembro de 1953, para nunca mais deixar o Moçambique.O seu primeiro ano em Moçambique foi o mais difícil, quer do ponto de visto financeiro, quer pelas barreiras linguísticos. Leo Kroger trabalhava na empresa comercial “Spence&Faure, Lda”, ajudava na organização dos safáris da empresa “Safarilândia”, pertencente ao Werner Von Alvensleben em Sofala (Norte de Moçambique), caçava para poder pagar os estudos dos seus filhos na África do Sul.Leo Kroger tem dois netos – Robert de 25 anos e Michael de 23. Pelo menos uma vez por ano, até a idade de 90 anos, Leo Kroger, sua esposa Hannah, seus filhos, netos e vários amigos, costumavam realizar as viagens de aventura pelas diversas províncias moçambicanas. Kroger apaixonou-se pelo Moçambique à primeira vista. Ele não resistiu, nem podia resistir a sua beleza intacta, a sua magia natural, o seu encanto poderoso e poético que este país exerce sobre qualquer forasteiro.Kroger começou escrever já na reforma. Seu primeiro livro “My last kumbaku”, uma colectânea de contos de caça, foi publicada em 1996 pela editora norte-americana Safari - PRESS, conhecida pelo grande rigor de critérios, procurando cativar o leitor não pelo “exotismo”, mas pelo valor literário das obras.O seu segundo livro, “Long life in short stories”, foi publicado em 2000 pela Universidade sul - africana de Witwatersrand. Nele, Kroger tenta redescobrir os seus raízes quer na Ucrânia, quer na Alemanha, contar as suas experiências da vida, enfim, realizar o sonho de qualquer ser humano – deixar o seu marco para as gerações vindouras.O seu público tem a oportunidade de viajar através do livro às sítios mais cativantes e mais distantes geograficamente um do outro, como: Tibete e Chimanimani (Moçambique), Rio de Janeiro e Harbina, Mar Morto e Círculo Polar… Tudo isso temperado com o humor calmo, olhar humanista e amante da natureza e da paz. O leitor não fica surpreendido, quando Leo Kroger conta como foi incapaz de matar um leão, lembrando que ele é o xará deste “guardião de savana”. Numa outra situação, Kroger apressa-se a socorrer uma aldeia moçambicana, de um elefante que destruía as hortas da população. No seu terceiro livro, “Leão que nasceu num fole”, publicado em 2001 pela editora moscovita “Rodnie prostori”, Leo Kroger revela-se um bom contador de estórias, cujos principais personagens são: os animais, a natureza, os sentimentos humanos ou até as caçadeiras. O livro é dedicado ao mundo camponês e africano, descrito com enorme talento e admiração. O título incomum do livro provém de inúmeras situações perigosas vividas pelo autor ao longo da sua vida: afogamento em criança, acidentes na caça ou encontros com a famigerada NKVD.África moldou Leo Kroger, o caçador europeu transformou-se no escritor africano. Talvez o próprio Kroger não se tenha apercebido logo, dessa mudança, até o dia, quando escreveu a novela “Amizade” (1984), sobre os laços criados entre si e o seu guia, António “Faz Tudo”.O olhar do Leo Kroger sobre o Moçambique revelou-se apaixonado e sábio, de uma pessoa que encontrou no país a sua segunda pátria. Toda a sua vida o escritor valorizava a imagem de Moçambique no exterior, que é sobremaneira importante no tempo em que este país é conhecido , sobretudo por causa de guerras, pandemías e desastres.

1 Comentários:

Blogger almariada said...

Que história extraordinária! É como se um só homem tivesse vivido toda a História do mundo do seu tempo!

Muito obrigada por ter publicado este post!

12:21 da tarde

 

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