SeparatismoGoverno russo concede cidadania para milhares de pessoas que vivem em países da ex-URSSPublicado em 01/03/2009 Agência Estado
Tiraspol, Moldóva – Maria Kozyrenko, aposentada dos serviços postais, é uma nova cidadã da Rússia, juntamente com outras 135 mil pessoas apenas na Transdnístria. Ela não vive na Rússia desde a era soviética, mas conseguiu seu passaporte dois anos atrás como parte das medidas do Kremlin de conceder a cidadania a centenas de milhares de russos étnicos que vivem em países que formavam a União Soviética, dentre eles Geórgia, Moldávia, Estônia e Ucrânia.
“Todas as nossas esperanças estão na Rússia”, disse Kozyrenko, enquanto vende um velho casaco preto no mercado de pulgas de Tiraspol, a capital da Transdnístria, uma região separatista da Moldávia, ex-república soviética onde a maioria da população fala um idioma latino quase igual ao romeno. “Esperamos que a Rússia nos proteja.”
A Rússia concedeu passaportes para cerca de 2,9 milhões de cidadãos de ex-repúblicas soviéticas desde o ano 2000, de acordo com dados do Serviço Federal de Migração. Os dados não separam os números entre aqueles que retornaram para a Rússia e os que continuam vivendo fora do país.
Alguns temem que Moscou use suas crescentes comunidades de expatriados para se intrometer nas políticas domésticas de países próximos a sua fronteira ou, no caso da Geórgia, como uma desculpa para intervenção militar. Mas o Kremlin diz que concede passaportes para russos fora do país por razões humanitárias em vez de políticas, para ajudar russos que ficaram sem escapatória em outros países após o fim da União Soviética.
O porta-voz Alexei Sazonov lembrou que países ocidentais, como a Bélgica, realizaram campanhas semelhantes no passado. “Nós temos uma política externa de não-confrontação – nós não precisamos de nenhum conflito”, disse Sazonov. “Ao mesmo tempo, defender os direitos de compatriotas é um direito que um país tem.”
A criação de comunidades de cidadãos russos já está minando a entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e enfraquecendo a Moldávia na medida em que o país dirige suas atenções para a Europa. E também faz com que o Ocidente saiba que a Rússia quer ser avaliada pelo que considera sua esfera de influência.
“Esta é uma advertência, um sério lembrete de que há fundamentos para preocupações para aqueles que não reconhecem os interesses da Rússia”, disse Masha Lipman, analista do Centro Carnegie de Moscou.
Por exemplo, em anos recentes, o Kremlin tem concedido dezenas de milhares de passaportes nas separatistas regiões georgianas da Ossétia do Sul e da Abkházia. Isso em parte justificou sua incursão militar na Geórgia no ano passado, quando afirmou que estava protegendo russos vivendo no exterior. Agora, tanto a Ossétia do Sul quanto a Abkházia estreitaram seus laços políticos, econômicos e militares com Moscou.
Da mesma forma, o Kremlin subsidia a província separatista moldava da Transdnístria com gás mais barato, fundos para movimentos de jovens pró-Rússia e paga a aposentados um adicional mensal de US$ 10 a seus proventos de US$ 60 a US$ 70.
“Para a Transdnístria, a Rússia é como uma pessoa próxima e querida, é como nossa terra natal”, disse Alyona Arshinova, 23 anos, ativista de um grupo de jovens patrocinado por legisladores pró-Kremlin da Rússia. Pôsteres do primeiro-ministro russo Vladimir Putin adornam seu quarto na universidade.
Cerca de um quarto dos 550 mil habitantes da Transdnístria já receberam cidadania russa. E o presidente da Transdnístria, Igor Smirnov, que governa esta faixa de terra desde 1991, não faz segredo de que quer que a região torne-se parte da Rússia, mesmo que não haja uma fronteira comum.
Outro local é a Estônia, uma pequena nação báltica de 1,3 milhão de pessoas que se orgulha da habilidade tecnológica de sua população e de sua eficiência escandinava. A embaixada russa na capital, Tallinn, informa que cerca de 3.700 passaportes foram emitidos nos 12 meses até 30 de outubro de 2008, mas de três vezes o número emitido durante o mesmo período um ano antes.
Isso se deve em parte porque a Estônia, que é membro da União Europeia (UE) e da Otan, deixa claro que está nervosa sobre sua grande população de russos étnicos. Tendo negada a cidadania automática após a independência da Estônia em 1991, muitos desses russos são chamados de “não-cidadãos” que precisam passar numa prova da língua do país antes de receber o passaporte estoniano. Muitos não se incomodam, em razão do tempo e do preço para estudar a complexa língua estoniana. Para eles, o passaporte russo é tão sedutor quanto, se não mais. Números da imigração mostram que mais de 96.200 cidadãos russos e 11.700 não-cidadãos vivem na Estônia.
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Na Ucrânia, um país de 46 milhões de pessoas do tamanho da França, funcionários do governo dizem que a Rússia está rapidamente distribuindo passaportes na península da Crimeia, o local de uma importante base naval russa. [...] Mustafa Dzhemilev, membro do Parlamento ucraniano pela península da Crimeia, estima que cerca de 200 mil pessoas – ou quase um décimo dos residentes – tenham dupla cidadania russa-ucraniana, embora isso seja proibido pela lei.
Na Ucrânia, a Rússia está “tentando fazer a mesma coisa que fez na Abkházia e na Ossétia do Sul – estabelecer fundamentos legais, pelo menos no sistema legal russo, para intervenção, seja ela econômica, política ou militar”, disse Peter Zeihan, vice-presidente da Analysis at Stratfor, uma empresa de inteligência internacional e análise.
Muitos continuam convencidos de que a verdadeira razão pela qual a Rússia tem concedido passaportes fora de suas fronteiras tem a ver com política e poder. “Se há cerca de 200 mil cidadãos russos vivendo na Estônia, a Rússia terá base para intervir”, disse Sergei Stepanov, um russo étnico que mora em Narva e é não-cidadão. “Quem os irá deter?”